Antonia Biason
Do pequeno vilarejo de Malafesta, no município de San Michele al Tagliamento, para o mundo: a gladiadora que lutou bravamente contra os limites que a vida lhe impôs, venceu bravamente cada obstáculo e se imortalizou para sempre, como exemplo e orgulho na memória desta família.
Antonia, do latim “digna de existir”
Antonia Biason nasceu em uma terça-feira, 18 de setembro de 1877, final do verão na Itália, com temperaturas variando entre 20 e 25 graus, no pequeno distrito de Malafesta, município de San Michele al Tagliamento, Província de Venezia, naquela época, Reino da Itália.
Segunda, de doze descendentes do casal Sante Biason e Santa Garzon, auxiliava a mãe nos serviços domésticos e com o passar do tempo também na lavoura, como a maioria das meninas daquela época, visto que a região era predominantemente rural.
Dois meses após completar dezessete anos, se une em matrimônio com Sante Bacinello, no dia 18 de outubro de 1894, na paróquia San Tommaso Apostolo, há pouco mais de 2 quilômetros de sua residência natal.
A primeira expedição ao Brasil
Embora Antonia comece a sonhar com a formação de sua família, o momento não é dos melhores para a região onde vive. O Reino italiano sofre duras penas para se reerguer, depois de tantos gastos e perdas com conflitos bélicos, principalmente ligados a vizinha Áustria, inconformada pela reanexação do Veneto em 1865.
A falta de recursos e a miséria, que desde a época do domínio austríaco, já castigava todo o nordeste italiano, antes tido como uma potência marítima nas rédeas da sereníssima República de Venezia, naqueles últimos cem anos, também inclusive denominado pelos historiadores locais como “fatais”, continua assolando sua população que sofre para reestabelecer dignidade.
Ao fragilizado governo italiano não resta outra alternativa, a não ser ceder o próprio povo em massa para suprir os campos de lavoura, principalmente no Brasil, que com a recente abolição da escravatura, sofria uma grande demanda de mão de obra na lavoura de café, que crescia velozmente em boa parte do país continental.
As propostas pareciam ser atrativas, pois os italianos não precisariam pagar os caros traslados na boca do caixa para as empresas navegadoras, já que obviamente, nem possuíam esses recursos, que parte era financiado por um consórcio de fazendeiros que necessitavam da mão de obra e outra subsidiada pelo próprio governo brasileiro, afim de solucionar o impasse da crise gerada, depois da enorme diáspora rural dos africanos e seus descendentes, com a Lei Áurea nº 3.353 de 13 de maio de 1888.
No entanto, essa conta era cobrada no acerto final, além de obviamente, estadia, alimentação e outros gastos que se fizessem necessários. Se realmente gerava algum lucro no final, isso é desconhecido até hoje e diante de todos os custos gerados de tamanha movimentação, é muito provável que não, afinal ninguém ficou milionário nessa lida. No entanto, para a população veneta, não restava outra alternativa para afastar as reincidentes amarguras vividas nos últimos cem anos, senão lucrativo, pelo menos uma esperança de dias melhores.
Sendo assim, nem bem completara dois meses do seu matrimônio, ela, o irmão Angelo, o pai Natale, o sogro Angelo Bacinello e o marido Sante partem juntos rumo ao Brasil. Desembarcam do Vapor Matteo Bruzzo em Vitória, Estado do Espírito Santo, no dia 6 de dezembro de 1894 e seguem em direção ao município de Cachoeiro do Itapemirim, onde temporariamente trabalhariam na colheita de café da fazenda Entre Morros Muqui, propriedade do então Barão de Itapemirim, título que Joaquim Marcelino da Silva Lima recebeu do Imperador D. Pedro II em 1849.
Após o final do ciclo da colheita, por volta do mês de setembro de 1895, Antonia retorna com os seus para Itália. Com um pouco de recurso no bolso, fruto da expedição brasileira de trabalho, é possível expandir a família e no rigoroso inverno do Veneto, Antonia engravida do seu primogênito Giovanni Bacinello, que vem ao mundo definitivamente no dia 9 de setembro de 1896.
A situação na Itália não melhora. O império Austro-Húngaro se une com Alemanha e Turquia e começa a estudar estratégias com o eixo para recuperar o Veneto. O governo nem bem se recupera das batalhas passadas já se estigmatiza em outras que estão por vir e a população continua a deriva, sem muita opção para o futuro que se desenha cinzento.
Um retorno não tão verde amarelo
Os poucos recursos conquistados na primeira investida brasileira são importantes, juntamente com o quase irrisório que conseguem localmente, suficientes para se virarem nos anos seguintes. Entretanto, no dia 8 de setembro do ano de 1898, Antonia dá a luz ao segundo filho, o qual batiza com o nome do pai, Natale.
Um consórcio semelhante àquele capixaba se desenha quase na sequência cronológica da época, desta vez envolvendo fazendeiros do Estado de São Paulo. A dinâmica de importação de mão de obra se resume na mesma, no entanto muitos italianos já não entravam nesse movimento para obter um extra, que era sem sombra de dúvidas insatisfatório, mas sim para se estabelecer de vez no Brasil, visto que as colônias, não apenas italianas, mas de quase toda a Europa, aumentavam destacadamente em função da guerra eminente que estava para eclodir no velho continente.
Antonia e Sante Bacinello chegam a conclusão de que este é o momento, se quiserem ter alguma segurança para família que estava aumentando. Não é possível afirmar, se seria definitivamente, como muitos patrícios próximos ao casal estavam fazendo, no entanto desta vez a família parte sozinha, ou seja, apenas eles, o filho Giovanni de 2 anos e o caçula Natale de apenas 3 meses.

Em um sábado quente de verão, no dia 17 de dezembro de 1898, o Vapor Sempione atraca no porto de Santos. A família dá entrada na Hospedaria dos Imigrantes, município de São Paulo e então seguem para Santa Rita, rumo aos alojamentos da propriedade do vereador da capital paulista, tenente coronel Serafim Leme da Silva, para trabalhar nos extensos cafezais da fazenda.
No entanto, o destemido fantasma epidêmico da febre amarela que ceifava milhares de imigrantes no final do Século XIX, continuava eminente, e o porto de Santos entre os anos de 1896 e 1897 tornava-se o principal foco da doença no país. Sante e o bebê Natale Bacinello se contaminam e os fortes sintomas da transmissão viral surgem já nas primeiras semanas, obrigando Antonia a deixar às pressas com toda a família, os alojamentos da fazenda sobre a carroceria de um caminhão, rumo a Santa Casa na capital São Paulo.
Sem o conhecimento da língua, com apenas 22 anos de idade, Antonia aguarda ao relento, no exterior do hospital, com certa aflição, acompanhada do primogênito Giovanni de 2 anos, a recuperação do marido e do bebê Natale. A cena comove a direção da instituição, que então decide recolher os dois. Como retribuição, Antonia exerce algumas funções mais simples no interior da Santa Casa, entre elas auxiliando nos partos, algo que no futuro, exerceria com maior frequência e que cuja importância de certa forma foi válida.
Para sua grande dor, Sante e o pequeno Natale não resistem, vindo à óbito pouco tempo depois. Viúva, sem amparo legal, financeiro ou consular, ela precisa continuar exercendo o trabalho no hospital, para própria sobrevivência e do filho Giovanni, até conseguir contato com o pai através de correspondência. Natale Biason logo toma conhecimento de toda a situação, se prontifica ajudando financeiramente na repatriação da filha e do neto. Amargurada por todo o saldo desolante que a nova aventura lhe propusera, retorna à Itália com o único fruto que havia lhe restado: o primogênito Giovanni.
Osvaldo Zamarian
A história genealógica que já apuramos através dos documentos analisados, mostram que as famílias Zamarian e Biason sempre estiveram muito próximas desde o passado até os momentos recentes, tanto nas relações sociais quanto principalmente conexões matrimoniais a partir de Malafesta.
Na linha descendente de Osvaldo Zamarian, pelo menos desde a bisavó Domenica Biason já era casada com Valentino Zamarian e suspeita-se até que Antonia, possa ser prima de segunda geração. Embora não tenha sido as respectivas primeiras escolhas de Antonia e Osvaldo, essa prática de união entre parentes, era muito frequente não apenas na nossa genealogia, mas de muitas famílias da região.
A triste história de Antonia se espalha em Malafesta e obviamente toca à todos no local encontrando ternura, alento e reciprocidade em Osvaldo Zamarian, que partilha da mesma trágica situação, após ficar viúvo de Carolina Luchin, perdendo também a segunda filha Lucia.
O mesmo fato deixa igualmente Osvaldo e a primogênita Romana de seis anos, órfãos de sua família precocemente.
Um novo horizonte em Malafesta
No dia 9 de fevereiro de 1902, aos 24 anos, na mesma igreja que selou sua primeira união, paróquia de San Tommaso Apóstolo, celebra o segundo Sacramento matrimonial com o também então víuvo Osvaldo de 32 anos.
O primeiro fruto do casal é batiazada com o nome de Santa (Santina) Carmela, e vem ao mundo em 29 de setembro do ano de 1902, na mesma casa natal que viu nascer o pai Osvaldo em Malatesta.
Dois anos depois, mais precisamente no dia 14 de maio de 1905, Antonia dá a luz ao segundo filho Giuseppe Valentino (Tin), na proposta de manter a tradição histórica dos Zamarian, de gerações alternadas entre os nomes Valentino e Osvaldo, que segundo o que já levantamos, perdura desde o Século XVIII com a chegada à família de Valentina Cecutti.
As condições financeiras do casal parecem ser melhores, em função até mesmo das economias que haviam em comum e relativamente suas vidas parecem trilhar para um horizonte mais seguro e iluminado. Antonia, de fato vive agora em uma casa confortável de dois pavimentos, no coração de Malafesta.
Porém, as provações para Antonia e Osvaldo não param, e mesmo depois das dolorosas perdas passadas recentes, pela primeira vez enfrentam juntos a despedida precoce da filha Angelina Severa, nascida no dia 19 de setembro do ano de 1906.
Mesmo diante desta e das tantas adversidades já sofridas, se apegam a grande fé que possuíam e na missão de formar sua família, logo são abençoados com as chegadas de novos frutos: Rafaele (Rafaè), no dia 24 de novembro de 1908; Severo (Severin) em 21 de fevereiro do ano de 1910 e o caçula Cirillo, no dia 23 de maio de 1912.
O drama de Giovanni Bacinello
O desfecho dos martírios de Antonia surge quando, ao ver a possibilidade de seu único fruto do primeiro casamento, Giovanni Bacinello, em eminente idade de alistamento militar, correr o risco de não apenas servir, mas fatalmente ser direcionado aos campos de batalha, pois face as tenções mundiais que nunca se acalmaram no último século, existia uma probabilidade muito forte de se extender para um conflito de ordem mundial, como acabou se tornando no futuro.
A história nos revela que ir para a linha de frente naquela época, era praticamente um caminho sem volta. O marido Osvaldo, só havia escapado com vida, porque teve que dar baixa ao imobilizar uma das pernas, depois do dano ao joelho em exercício militar.
Com esse eminente perigo, Antonia põe em prática uma alternativa presente em sua vida desde sempre: o Brasil. Desta vez não seria por motivos financeiros, mas objetivamente para afastar o jovem Giovanni, da lista de convocados do exército italiano. Com o conhecimento que tinha acumulado de suas duas primeiras experiências brasileiras do passado, convence o marido de se transferir provisoriamente ao país sul-americano, até que este tumultuado período de hostilidades na Europa terminasse. Osvaldo, bem estabilizado, ao que a história nos revela, adota declaradamente Giovanni Bacinello, neste ato, de coração, que desde os seis anos está sob sua tutela e consente com a viajem.
O detalhe dessa “fuga”: o casal não poderia revelar que estavam indo com a família para o Brasil, já que o jovem Giovanni Bacinello, em eminência de ter que cumprir o dever para com o serviço militar, não poderia deixar o país.
Com a ajuda de um religioso local muito influente, Osvaldo e Antonia obtém um visto provisório temporário para sair do país, acompanhados dos filhos, com o intuito de participar de uma celebração matrimonial de primos que moravam na vizinha Áustria.
Nessa situação porém, não haveria financiamento nas passagens, como nos casos anteriores já citados, custeados pelas iniciativas comerciais no acordo de fornecimento de mão de obra da Itália para o Brasil. Portanto, Osvaldo, Antonia e parte da família não poderiam se beneficiar desses programas de subsídios migratórios, pois o governo italiano vetaria o passaporte de Giovanni Bacinello.
Assim tiveram que desembolsar à vista todos os bilhetes de viajem, um custo consideravelmente alto em se tratando do número de componentes e de um trajeto tão longo. Entre as situações complicadas e constrangedoras desta operação, a de viajar com um grande número de roupas sobrepostas: eles deveriam sair do país apenas com as vestimentas do corpo, já que se fizessem um grande acúmulo de pertences e bagagens, levantariam suspeitas correndo o risco de serem barrados no dia da viajem.
Em uma quarta-feira gelada, no dia 10 de dezembro de 1913, toda família embarca no trem que os levaria para o porto de Trieste, noventa e dois quilômetros ao norte de Malafesta. Osvaldo com 44 anos, Antonia (31 anos), Romana (19 anos), Giovanni Bacinello (17 anos), Santa Carmela (11 anos), Giuseppe Valentino (8 anos), Rafaele (5 anos), Severo (3 anos) e o bebê Cirillo (1 ano e 7 meses) embarcam em seguida no vapor Alice. Pelo mar Adriático, enquanto o navio contorna a península pela costa leste, a família se despede definitivamente do país, através dos últimos olhares para as praias de Bibione e Lignano Sabia D’oro, onde cresceram e se divertiram brincando sobre suas areias, deslumbrando também o recém inaugurado Farol de Bibione.
Cirillo Zamarian
Viajem longa, com recursos sem dúvidas sendo poupados, devido aos altos gastos que todo o processo estava envolvendo, de um traslado às pressas e que certamente ainda viria ter pela frente para própria sobrevivência no Brasil, essa preocupação no entanto estava longe de ser a que mais desestabilizaria os ânimos da família no percurso.
Imaginemos que sair de Trieste a uma temperatura próxima ou até abaixo de zero grau, com um volume imenso de roupas poderia ser até aceitável, mas não para um nenê de colo. E pensar também que dentro de um certo percurso da viagem, principalmente cruzando a linha do equador, esse quadro mudaria drásticamente, é difícil imaginar que o organismo não reagiria de forma tão conturbada. Sem levar em consideração o estresse das várias paradas que a rota do navio provavelmente deveria fazer, para ficar interessante comercialmente o transporte, tomaria uma configuração muito diferente.
E de fato isso se verteu de forma trágica para o bebê Cirillo que começa a passar muito mal em alto mar, provavelmente com febre altíssima em função dos disparates térmicos enfrentados, ou talvez até mesmo em função das péssimas condições higiênicas que os transportes do tipo ofereciam na época, com a grande possibilidade de seus aposentos estarem infectados com vírus letais acumulados de outras viajens. Considerando também que, além disso, o interior desses transatlânticos eram totalmente desprovidos de auxílio médico ou recursos sanitários adequados, que poderiam até reverter o quadro da criança.
Muito debilitado Cirillo não tem condições de esperar os longos dias que ainda faltariam para o vapor Alice atracar e acaba infelizmente vindo a óbito. Para piorar a situação, em função até mesmo das normas do transporte, o menino deve ser sepultado em alto mar.
Para homens, como Osvaldo, ex-combatente de guerra, e que de tragédias já estava meio anestesiado vivenciar, poderia ser encarado com outro nó muito amargo na garganta de um silêncio profundo e incompreensão, porém para Antonia, isso iria além.
Estamos falando de possivelmente véspera ou até mesmo Natal? Doloroso demais. Tanto que ninguém da família, até recentemente, imaginava da existência do seu outro bebê que teve o mesmo fim trágico, Natale Bacinello. É sem sombra de dúvidas muito ruim recordar tamanha tristeza, já Cirillo, não tinha como guardar pra si, ficou na memória de todos os outros irmãos.
E porque para ela esse fato deveria ser significativamente mais pesado? Jamais passaria por seu pensamento estratégico, que todos os esforços para salvar um filho, custaria a vida do outro. Não, de fato, a culpa não era de Antonia, ela só queria, desde o momento que decidiu formar uma família, ter um pouco de dignidade, sem ameaças a própria sobrevivência, sem surtos de epidemias, sem guerras estúpidas para colocar em risco seus filhos. Essa filha de Venezia só queria um pouco de felicidade diante de tantas outras amarguras já vividas.
A família desembarcou no porto de Santos, São Paulo, no dia primeiro de janeiro de 1914. Da cidade litorânea subiram a bordos de trem a serra paulista até a estação da Hospedaria dos Imigrantes na capital São Paulo, onde, ao que tudo indica, pernoitaram. No dia seguinte, novo percurso de locomotiva até o município de Botucatu, 344 quilômetros a dentro, no interior do Estado de São Paulo. O destino final: Fazenda Vicente Soares, no distrito de São Manuel do Paraíso, região rural metropolitana do município.
Pois tudo que Antonia e família precisavam naquela fase desolante de suas histórias, era um pouco de ares paradisíacos e sossego depois de tantas atribulações de uma viajem defitnivamente para apagar de suas memórias. Seis meses depois da chegada no Brasil, Antonia denúncia a gravidez. O primeiro filho brasileiro, nascia no seio da fazenda, em São Manuel, no dia 18 de abril de 1915 e ela o batiza com o nome de Cirillo.
O momento econômico local é dos melhores possíveis. O Brasil começa a desfrutar os retornos financeiros das grandes safras de café que ano após ano bate recordes de exportação e o resultado é visto na balança comercial do país e no bolso de seus cidadãos. A tão sonhada beleza americana é nitidamente visível nos grandes centros comerciais do país e traz consigo progresso e técnologia para suas indústrias.
Essa sensação também contagia o casal em 1917, que na segurança desses bons ventos concebem seu segundo filho em solo brasileiro, o qual colocam o nome de Luiz (Giutti).
As graças na vida de Antonia lhe proporcionariam mais uma benção: Maria vem ao mundo no dia 13 de julho do ano de 1920, a última descendente direta do casal, na mesma Fazenda Vicente Soares. O nome seria uma homenagem a avó Maria Paulut (mãe de Antonia), e a recém nascida, seria carinhosamente conhecida por Mariutta.
Ao mesmo tempo, a entiada Romana Zamarian, filha do primeiro casamento do marido Osvaldo casa-se com Marino Destro e começam a formar uma nova família em São Manuel. Giovanni Bacinello, filho da primeira união de Antonia, da mesma forma contrai matrimônio com Prosperina Bozzoni. A primogênita em comum do casal, também sela sua união matrimonial com Riccardo Martin. Esses fatos, começam afastar a idéia de Antonia e Osvaldo retornarem à Itália.
No dia 5 de outubro de 1924, nasce Orlando Bacinello o primeiro neto de Antonia, filho de Giovanni com Prosperina Bozzoni. Os fatos provando que valeu a pena todos os esforços. Dois meses depois também vem ao mundo Alcides Martin, filho da primogênita (Com Oslvado) Santa Carmela e Riccardo Martin. A segunda geração à todo vapor livre das ameaças do passado.
A Esperança e o Paraná
Em 1924, o casal se transfere com quase toda a família para Fazenda Esperança, no município de Avaré, 60 quilômetros de onde permaneceram por quase uma década, assim que chegaram no Brasil. A nova residência era de propriedade do fazendeiro, industrial e comerciante Marco Tamassia, e ao todo a propriedade possuía mais de dois mil hectares.
Além da criação de gado leiteiro, suínos, lavoura de café e de cana de açúcar, sua especialidade era a produção própria de bebidas destiladas.
Produzia a “pinga” mais famosa do Brasil na época: a Aguardente de Cana Gallo. Todo o processo de produção passava-se dentro da fazenda, desde o cultivo da cana de açúcar, até a destilação da bebida e o envasamento final. No vídeo abaixo, elaborado no ano de 1956, é possível ter uma noção de como era o complexo estrutural da fazenda as jornadas de trabalho.
Por mais de uma dezena de anos, boa parte da família ficou confinada nesta propriedade de nome Esperança. E com eles, a matriarca Antonia acompanhou os filhos casarem e vários netos nascerem. Um nome bastante sui generis, visto os infinitos obstáculos e atribulações que Antonia enfrentou na vida até ali.
Não podemos afirmar que foram os melhores anos de suas vidas, mas é possível dizer com convicção, que participaram ativamente da história e do processo industrial dessa fazenda, envolvidos de certa forma com um produto muito famoso no país.
O fato de boa parte dos filhos se movimentar para gerar a segunda geração da família, denota-se uma certeza de segurança e bem estar, o que certamente agradou Antonia, que desta vez, teve mais à agradecer, do que lamentar. Em especial, particularmente ligado a minha pessoa, pois meu finado pai Antonio Zamarian, nasceu neste mítico lugar no dia 6 de julho de 1936.
Entretanto, como nada é para sempre, a família é obrigada a se preparar para um novo desafio. A crise da “Grande Depressão” começa a afetar o Brasil de maneira mais acentuada e até mesmo os negócios de Marco Tamassia, sentem essa grande reviravolta que o mundo inteiro sofreu após aquela fatídica quinta-feira de pregão, da bolsa de valores de Nova Iorque, no dia 29 de outubro de 1929. Apesar do governo brasileiro ter segurado temporariamente como pode a situação, a conta sorrateiramente chegou para todos no país.
Com as notícias ruins que fatidicamente afetaria também a família, já era hora de pensar em constituir o próprio porto seguro. Alguns filhos de Antonia, impressionados pelos comentários dos crescentes sucessos de patrícios conhecidos no Paraná, começam a se interessar pelas famosas terras paranaenses, excelentes para plantio. A famigerada terra “rossa” como os italianos falavam, que muitos acreditavam estar se referindo da cor “roxa”, mais próximo da tonalidade do solo característico de sedimentação vulcânica, era realmente muito fértil.
No final do ano de 1936, alguns filhos já começam então a se transferir para a cidade paranaense de Cambará e gradativamente, o restante logo em seguida, com exceção apenas das mulheres cujo as famílias já estavam estabelecidas ao redor de Botucatu e particularmente estruturadas.
Nas décadas seguintes, mais de setenta por cento de seus descendentes, se estabeleceram ao redor ou até mesmo na cidade de Londrina.
Alguns foram em busca de novas oportunidades, se profissionalizando dentro de setores que cresciam no país, outros preferiram continuar dedicando seu amor à terra, nas lavouras de café.
Com um pouco de equilíbrio, dentro de muita obstinação, a maioria conseguiu de certa forma, assimilar e colocar em prática os valores que Antonia demonstrou, estabelecendo para si um padrão digno de todos os esforços e lutas necessárias para se obter este porto seguro.
Em alguma parte desse texto foi mencionado que o plano era provisório e que a ideia de Antonia seria aquela de retornar à Itália, junto da sua amada San Michele as margens do majestoso rio Tagliamento, assim como o fizera nas outras duas vezes. Porém, é muito provável que na contra-mão dolorosa desse precioso sentimento, ela sentiu uma benção compensadora em sua vida, convertida em prósperas e múltiplas gerações.
Ficar no Brasil, longe das raízes que tanto amava, mesmo diante das dificuldades que aquela vida desbravadora apresentava, ainda sim, foi a melhor escolha, pois ela agora era a raiz de tudo, e para os seus preferiu a paz celebrando vidas.
Nos deixou, por incrível que pareça, um ano depois do marido Osvaldo, aos 85 anos, 10 meses e seis dias, no dia 24 de julho de 1963, na minha cidade natal de Londrina, onde também foi sepultada no cemitério João XXIII.
O vídeo abaixo foi compartilhado pelo primo Cirilo Landi enquanto eu terminava a revisão e publicação deste trabalho.
Trata-se de um curta-metragem promocional da comemoração dos mil e seiscentos anos de Venezia.
Minha mãe, Veronica Melchiades, que conviveu com a “nonna” (como carinhosamente é conhecida), relembrou que quando Antonia falava de San Marco, a famosa praça de frente para a imponente basílica do santo evangelista padroeiro da Itália e do Vêneto, sempre “una lacrima furtiva veniva giù”.
Certamente, ao vê-lo, ela se emocionaria da mesma forma como relembrou minha mãe, porém eu digo que não tem como se sentir tocado viajando na vida desta grande gladiadora veneziana, Antonia Biason.